Naquela sexta feira, eu fui às compras ao supermercado.Durante muitos anos comprava num mini mercado uma vez por mês, e entregavam em casa sem eu precisar de me deslocar - até a encomenda fazia por telefone. Mas tudo mudou com as enormes superfícies de vendas que se instalaram na cidade. Uma a uma, as mercearias fecharam, e o "meu" mini mercado aguentou-se mais uns tempos, mas posteriormente e com pena minha, também encerrou as suas portas. O ser humano tem o poder de se adaptar, e eu não sou excepção - tornei-me cliente dum supermercado que se situa perto da minha residência, e não quero outro.
Vou até lá a pé, faço as compras calmamente, distribuo os artigos pelos quatro sacos grandes e fortes, só usados para este fim, e entretanto o meu marido vem para almoçar, mas antes encontra-se lá comigo para trazer tudo no carro para casa.
Aqui chegados, o carro fica no estacionamento da urbanização. Ele não é pessoa de fazer caminho pra cá e pra lá, do carro até à entrada do prédio - pega nos sacos todos duma vez, dois em cada mão, pesadíssimos, e apressado aí vai ele...
Mas por vezes manifesta-se, meio a sério, meio a brincar, e diz:
- Ora esta, pra que um homem se casa - e estou a ver que vai ser assim até ao fim da vida...
E eu a rir sempre lhe respondo
- então que queres, tu prometêste...
e ele confirma; Pois, prometi ! - Bem me tramei !!!
Mas foi verdade - uma promessa que hoje ninguém faz...
Foi quando pediu para eu namorar com ele, naquele tempo em que namoro não tinha o mesmo significado que hoje tem, entre outras coisas que eram relevantes, também prometeu que carregaria os volumes pesados - amável, sem dúvida...
Pois nessa tal sexta feira, os sacos estavam com muitas compras, e eu também segurava numa das mãos um frascão dum produto liquido para lavar a roupa. A outra estava livre, apenas a carteira no braço, e foi com essa mão que acionei o elevador.
Logo depois reparei que do andar inferior ao nosso tinham premido o botão, pelo que iríamos parar lá. E disse ao meu marido, vamos ter uma paragem extra.
Era a nossa vizinha Rosa, que mal abriu a porta fez uma exclamação de surpresa agradável... cumprimentos, palavras ruidosas de ocasião, e entrou no elevador ao mesmo tempo que dizia - eu também vou, depois venho pra baixo - os sacos ocupavam espaço, não era muito boa opção, pensei, mas não disse nada. Contudo adverti-a que se afastásse da porta, e que agarrasse o vestido. (que era comprido e esvoaçante.)
Chegámos logo, era no piso seguinte - ela tinha de sair primeiro, para depois nós sairmos. Ainda pôs o pé no chão fora do elevador, mas logo entrou em desiquílibrio, e impossível de parar murmurou, olha, olha, e estatelou-se no chão - acto continuo o meu marido sem largar os sacos, fez igual, e ainda com os mais de cem quilos da sua pessoa, caiu de barriga em cima dela.
Ambos altos, tiveram sorte por não baterem com a cabeça no gradeamento de ferro que guarnece a escada, porque caíram enviesados, mas os pés atravancaram a saída do elevador, não me deixando espaço para eu passar e acudir, foi uma aflição pra mim.
Sem ajuda, lentamente levantaram-se, e já estavam de pé, aturdidos compondo as roupas, mas calados. O meu marido estava bem, mas a Rosa é uma pessoa doente, e eu sentia-me muito preocupada com ela; e por isso insistia várias vezes na mesma pergunta - se estava magoada - ansiando por uma resposta que me tranquilizasse, e que tardava.
Então finalmente, depois de alguns segundos de silêncio que me pareceram horas, ela olhou para mim e muito séria, respondeu-me - pôrra, que ele é pesado...
(A causa das quedas, foi o elevador ter parado desnivelado em relação ao pavimento fixo.)
Só falta dizer que ao fim da tarde, arrumados os meus receios, eu lembrei a cena, perfeita, qual pedacinho dum filme. (esta sem ensaios) - e dei num riso imparável, até ás lágrimas.